Uma análise sobre THE WASTE LAND — Escrito por T. S. Eliot.

AFeltez
13 min readNov 9, 2020

“My nerves are bad tonight. Yes, bad. Stay with me.

“Speak to me. Why do you never speak. Speak.

“What are you thinking of? What thinking? What?

“I never know what you are thinking. Think.”

I think we are in rats’ alley

Where the dead men lost their bones.

“What is that noise?”

The wind under the door.

“What is that noise now? What is the wind doing?”

Nothing again nothing.

“Do you know nothing? Do you see nothing? Do you remember nothing?”

I remember

Those are pearls that were his eyes.

“The Waste Land” — ou “A Terra Inútil” — , por T. S. Eliot, é uma série de fragmentos, como a que acabei de mostrá-los. Nas mais de 434 linhas de poesia, Eliot faz mais de 60 alusões para mais de 40 escritores de diferentes terras diferentes. Alguns do leste, enquanto outros do oeste; alguns modernos, enquanto alguns antigos; são partezinhas e pedaços de cultura, dos quais Eliot pensou dar a cada um de nós ponto universal de referência. As vozes extravasando e empilhando uma em cima da outra na “Waste Land”, são os ecos; os últimos remanescentes dessa cultura compartilhada, que, agora, estava estilhaçada.

Nos meados dos anos 20, T. S. Eliot ganhou destaque como parte da “Geração Perdida”, um termo usado para descrever a desorientada, errante e sem direção sentimento, daqueles que viveram a mais destrutiva guerra que o mundo já vira até o momento. Eliot, assim como muito mais, estava tentando ver sentido no caos e violência de seu tempo. Inicialmente, ele procura por uma ordem, algo que o guie até encontrar a si mesmo. Entretanto, não o fez por meio de religião, mas pela literatura e mitologia. Eliot disse que não apenas o título, como uma boa parcela do simbolismo no poema, foram sugeridos pelo livro de Jessie L. Weston, em “Os Segredos do Santo Graal”.

O Santo Graal é o cálice do qual Jesus bebeu durante a Última Ceia, e foi usado para coletar seu sangue após a crucificação. N’a lenda do Santo Graal, o Rei Pescador — guardião do cálice — , descansa à beira da morte em seu castelo, ferido, precisando de um cavaleiro para completar busca pelo Graal, podendo então se curar. A recuperação do Rei é a única coisa que pode salvar o reino. O cavaleiro deve encarar vários obstáculos e, perto do final de sua jornada, passa pela Capela Perigosa (ou “Perilous Chapel”) — um lugar digno de pesadelos, que representa seu maior desafio: Quando ele encontra o Graal, o cálice cura o Rei e seu reino; e recupera a vitalidade da árida e estéril Wasteland.

Esta ideia de uma terra adoecida, desesperada pela necessidade de renascer, é a essência da Europa após a Primeira Guerra Mundial. O povo dos tempos de Eliot sofria, sem esperanças de alívio. Entretanto, apesar do fator de desesperação no poema, Eliot ainda nos deixa com um sentimento de como a esperança pode ser recuperada. Ele faz referência a figuras em torno do cálice sagrado: o rei impotente, a Wasteland, o regozijo do reino recuperado; mas, raramente, refere-se ao cálice em si. Na solução de Eliot, o Graal tem vital importância, mas não aparece magicamente nas últimas estrofes para salvar os personagens. Ao invés disso, Eliot sentiu que cabia à humanidade o trabalho de construir a nossa própria salvação.

Parte I: O Enterro da Morte.

April is the cruellest month, breeding

Lilacs out of the dead land, mixing

Memory and desire, stirring

Dull roots with spring rain.

Winter kept us warm, covering

Earth in forgetful snow, feeding

A little life with dried tubers.

A primeira linha é escrita num quase perfeito pentâmetro iâmbico. Pense que é como a estrutura fundamental de um poema; o ritmo por trás das palavras em cada linha. Um iambo é feito através de desestressada e estressada sílabas. É usada num poema, tipicamente, para dar ao leitor um senso de estabilidade. Entretanto, o uso de Eliot do cavalgamento (“enjambement”); a forma como ela carrega cada frase além das quebras de linha, continua tornando-as instáveis. Cada pensamento parece inacabado. Nas últimas 3 linhas, os iambos já estão em pedaços, colapsando, e cada pensamento inacabado prejudica nosso senso de certeza.

Geralmente, pensamos em Abril e na primavera como um período alegre. O inverno foi embora e as flores estão brotando. A vida começa a emergir, enquanto o frio amargo começa a passar. Entretanto, o que costumava a nos dar este significado, não mais se comunica com nós. Um período do ano que costumava nos trazer nova vida, agora apenas move maçantes raízes.

Na próxima linha, temos mais uma inversão de valores. Esse desejo de reclamar a inocência de uma Europa pré-guerra, nunca se tornará realidade. Então, a única coisa que poderia verdadeiramente nos confortar, é esquecer. A neve age como um agente paralisante, que nos deixa dormentes, permitindo que esqueçamos. A primavera é cruel, pois tira de nós o agente paralisante, deixando apenas a dura realidade: talvez, nenhuma vida nova crescerá daquele solo morto. Talvez, não há esperanças para salvação, ressurreição ou renascimento.

Unreal City,

Under the brown fog of a winter dawn,

A crowd flowed over London Bridge, so many,

I had not thought death had undone so many.

Sighs, short and infrequent, were exhaled,

And each man fixed his eyes before his feet.

Flowed up the hill and down King William Street,

To where Saint Mary Woolnoth kept the hours

With a dead sound on the final stroke of nine.

A multidão fluindo sob a Ponte de Londres é uma corrente de trabalhadores, que se dirigem ao distrito financeiro, onde Eliot trabalhou como um banqueiro de investimentos. A linda “I had not thought death had undone so many”, é tirada diretamente do Inferno de Dante. Dante fala sobre uma multidão de pessoas esperando do lado de fora dos Portões do Inferno. Eliot fala a mesma coisa sobre pessoas indo ao trabalho. Na visão de Eliot, essas pessoas vivem suas vidas suspendendo entre viver e morrer. Suas inércias de massa é vista como um contínuo escape e evasão da realidade.

Tal alusão a Dante, permite que Eliot sugira uma das principais ideias sobre a Waste Land: antigas histórias descansam sob ruas modernas. Em sua palestra sobre a Wasteland, Nick Mount diz “Londres é Roma. Londres é Atenas. Londres é o Inferno de Dante”. A diferença é que essas antigas histórias e lugares tinha significado, eram reais e autênticas. Entretanto, as novas versões destas antigas histórias se tornaram cascas vazias, drenadas de significado.

Todas essas alusões não são supostas a ajudar o leitor. Na verdade, deixam o poema muito mais difícil de compreender. Eliot faz isso muito propositalmente, porque sabia que se alguém pudesse o compreender, encontrar e entender as referências, então esse alguém sentiria o que ele sentia; não poderia se conter em lamentar pela morte daquela cultura compartilhada junto dele.

Parte II: Um Jogo de Xadrez.

A parte dois do poema se chama “Um Jogo de Xadrez”, mas xadrez é mencionado apenas uma vez na seção inteira. Ao invés de xadrez, Eliot discute sobre casamento, e isso se torna a arena onde o jogo é jogado. Xadrez é um jogo mental, envolvendo estratégia e planejamento. Questões do coração e alma se tornaram tão degradados, que foram reduzidas em uma pessoa tentando iludir e passar a perna na outra.

The Chair she sat in, like a burnished throne,

Glowed on the marble…

In vials of ivory and coloured glass

Unstoppered, lurked her strange synthetic perfumes,

Unguent, powdered, or liquid — troubled, confused

And drowned the sense in odours;

Eliot nos pinta este cenário de uma mulher do tipo Cleópatra, rodeada por toda a riqueza e sofisticação que poderíamos imaginar. Essa é a imagem da rainha: fria e independente, que engana e domina a todos que ela se encontra. A rainha é a mais poderosa das peças num jogo de xadrez. Ela está ganhando o jogo, pois é afogada em sentidos e, com sucesso, subjuga seu oponente: seu marido, o rei.

When Lil’s husband got demobbed, I said —

I didn’t mince my words, I said to her myself,

HURRY UP PLEASE ITS TIME

Now Albert’s coming back, make yourself a bit smart.

He’ll want to know what you done with that money he gave you

To get yourself some teeth. He did, I was there.

You have them all out, Lil, and get a nice set,

He said, I swear, I can’t bear to look at you.

And no more can’t I, I said, and think of poor Albert,

He’s been in the army four years, he wants a good time,

And if you don’t give it him, there’s others will, I said.

HURRY UP PLEASE ITS TIME…

You ought to be ashamed, I said, to look so antique.

(And her only thirty-one.)

I can’t help it, she said, pulling a long face,

It’s them pills I took, to bring it off, she said.

(She’s had five already, and nearly died of young George.)

The chemist said it would be all right, but I’ve never been the same.

You are a proper fool, I said.

HURRY UP PLEASE ITS TIME

HURRY UP PLEASE ITS TIME

Goonight Bill. Goonight Lou. Goonight May. Goonight.

Ta ta. Goonight. Goonight.

Good night, ladies, good night, sweet ladies, good night, good night.

O cenário mudou mais uma vez e, agora, estamos ouvindo fofocas num bar. Uma mulher descreve a conversa que teve com sua amiga Lil. O marido de Lil está voltando da guerra, e a personagem fala para que ela se arrume para ele. O casal que vimos mais cedo não conseguia se comunicar, mas aqui temos um agressivo e menosprezante casamento. Sexo é usado como uma ameaça. É apenas um movimento dentro do tabuleiro de xadrez. Se ela não ser atraente, Albert tem o direito de ir procurar o que atrai em outro lugar.

Durante a conversa, ouvimos as palavras “HURRY UP PLEASE ITS TIME”, ou “APRESSEM-SE, POR FAVOR, JÁ É HORA”. Essa é a chamada tradicional de um barman inglês, dizendo que já é hora de fechar o bar. É hora de ir, mas também sugere algo mais: duas mulheres, fofocando num bar, com uma vez dizendo “É HORA”. Há algo que elas devem fazer. Pode-se pensar no antigo chamado poético “carpe diem”; “curta o momento”. Ainda assim, este impulso de ver o momento presente, é abafado pelas fofocas no bar. É uma chamada, que parece cair morta ao não ser ouvida mais de uma vez por ouvidos modernos.

Goonight Bill. Goonight Lou. Goonight May. Goonight”, finalmente, todos dão seu últimos “boa-noites”, e somos deixados com uma última voz dizendo “Good night, ladies, good night, sweet ladies, good night, good night”. Essas são as últimas palavras que Ofélia diz em “Hamlet”, de Shakespeare, logo antes de morrer. As palavras de despedida de Ofélia, uma das mais belas cenas na literatura ocidental, é agora uma frase ignorada num bar, numa conversa sobre dentes falsos.

Mais fragmentos, mas ainda mais uma história sob a vida moderna. Tudo que algum dia teve significado, está agora perdido.

Para Lil, parece restar apenas duas opções: se tornar a rainha no tabuleiro de xadrez, enganando e passando a perna no marido para que possa dominá-lo, ou pode colapsar, assim como Ofélia por Hamlet, desistindo e desaparecendo.

Parte V: O que Disse o Trovão.
Eliot descreve a quinta parte como a aproximação à capela perigosa, onde o Graal é mantido. Na lenda original do Graal, a visão da capela vazia é o teste final pelo qual o cavaleiro deve passar, antes que beba do Graal. O cavaleiro confronta o maior teste de todos: a possibilidade de que não há Deus. É apenas depois de encontrar a capela e continuar em frente, que o cavaleiro conhecerá a verdadeira imortalidade em Cristo.

Here is no water but only rock

Rock and no water and the sandy road

The road winding above among the mountains

Which are mountains of rock without water

If there were water we should stop and drink

Amongst the rock one cannot stop or think

If there were water

And no rock

And also water

And water

A spring

A pool among the rock

If there were the sound of water only

Where the hermit-thrush sings in the pine trees

Drip drop drip drop drop drop drop

But there is no water

Nosso eu-lírico está desesperadamente procurando por água em Wasteland. A água do Graal oferece vida eterna, mantendo promessas de ressurreição, redenção e renascimento. Entretanto… Não há água; não há esperança; não há salvação. E então…

In a flash of lightning. Then a damp gust

Bringing rain

Sobre a capela, finalmente, chove. A água retornou para Wasteland. Quando chove, vem o trovão, e ele fala. Ele diz uma palavra:

DA

Esta é uma história inspirada pelos Upanixades, que fala sobre como os deuses, o homem e demônios da Índia, perguntam aos seus pais sobre como deveriam viver. O pai responde a cada um deles com o som de um trovão, ouvido como “DA”. Entretanto, cada grupo interpreta isso em diferentes formas. Os deuses ouvem como “Datta”, que significa “ para dar”. Os homens ouvem como “Dayadhvam”, que significa “para simpatizar”. Os demônios ouvem como “Damyata”, que significa “Controle”. “DA” é a resposta; é o Santo Graal; é o significado desaparecido do poema e do mundo; mantém a promessa de restaurar a vida para Wasteland. Entretanto, ninguém sabe ao certo o que significa.

DA

Datta: what have we given?

The awful daring of a moment’s surrender

Which an age of prudence can never retract

Anteriormente, no poema, uma personagem senta ao Rio Tamisa e lamenta: “The nymphs are departed”. As ninfas eram os casais de jovens, que costumavam se encontrar ao redor do rio, mas que agora partiram e que foram substituídos “por aqueles que não deixam endereço”. Em outras palavras, aqueles que se encontram apenas para satisfazer um desejo momentâneo, nunca mais para conversarem uma outra vez.

By this, and this only, we have existed

Essa falta de intimidade tornou-se nosso legado final: encontros breves e sem significados, são tudo o que nos restou para dar.

DA

Dayadhvam: I have heard the key

Turn in the door once and turn once only

We think of the key, each in his prison

Thinking of the key, each confirms a prison

Dayadhvam” significa “simpatizar”, mas nós não conseguimos simpatizar um com o outro enquanto presos em nossas próprias prisões. Se lembrar-se, antes, no poema, “cada homem fixa os olhos onde pisarão os pés. Estamos isolados e fixados em nossas próprias preservações pessoais, e somos incapazes de segurar a chave, porque não conseguimos olhar além de nossas egoístas preocupações.

DA

Damyata: The boat responded

Gaily, to the hand expert with sail and oar

The sea was calm, your heart would have responded

Gaily, when invited, beating obedient

To controlling hands

Damyata” significa “controle”, mas Eliot não fala sobre confisco, apreensão ou apossagem, mas do desejo de controle. O homem não consegue sair da Terra Desolada; da Terra Inútil; de Wasteland, sozinho. Estamos presos, e devemos dar o controle do timão às mãos controladoras de algo mais grandioso que nós mesmos.

Datta”; “dar”. Como egoístas e corruptos casais, devemos aprender “a dar” algo com significado, duradouro e eterno

Dayadhvam”; “simpatizar”. Estamos isolados e sós, confinados a nossas respectivas prisões, pensando sobre a chave e não sobre os outros. É apenas ao entender de nossos companheiros, que podemos ser livrados de nosso isolamento.

Damyata”; “controle”. Não podemos sair de Wasteland sozinhos, mas talvez o desistir do controle pode nos ajudar a navegar os mares de volta para nossos lares.

Para aqueles perdidos em Wasteland, sendo rasgados ao meio por desejos, talvez seja uma ascético auto-rendição e redescoberta de uma jornada espiritual que segura a chave para a nossa salvação.

I sat upon the shore

Fishing, with the arid plain behind me

Shall I at least set my lands in order?

A cena volta mais uma vez para o Rei Pescador. Ele desiste de qualquer esperança de que alguém completará a jornada para o Graal, mas decide pôr as peças de seu triste reino juntas, novamente, e da melhor forma que pode. Essa é a ideia de Eliot, de que um salvador deve ser místico e todo-poderoso. O rei olha pragmaticamente para o mundo, e conta à Europa sobre como deve curar a si mesma: por permitir ao tempo que cure todos os machucados.

London Bridge is falling down falling down falling down

Poi s’ascose nel foco che gli affina

Quando fiam uti chelidon — O swallow swallow

Le Prince d’Aquitaine à la tour abolie

These fragments I have shored against my ruins

Why then Ile fit you. Hieronymo’s mad againe.

Datta. Dayadhvam. Damyata.

Shantih shantih shantih

As últimas estrofes se desmembram numa balbuciação de quatro línguas diferentes e, através disso, chegamos ao fim do poema.

Datta. Dayadhvam. Damyata.

Shantih shantih shantih

Shantih” é sânscrito para “a paz que passa o entendimento” ou, simplesmente, “paz”. Com essa linha de despedida, Eliot diz que ele foi tão longe quanto as palavras o permitem ir. Não há nada mais a ser dito. É possível que a pessoa que profere essas palavras chegou à paz ou nirvana — beatitude, felicidade e conhecimento. Mas se for mesmo assim, não é acessível nem compreensível para qualquer um além daquele indivíduo. É algo que pode ser experienciado, mas não pode ser entendido nem explicado.

Cinco anos depois, Eliot encontrou o significado, a ordem e a paz que ele procurava na Igreja. Foi batizado por trás de portas fechadas, em segredo, em 1927.

Se é a paz que esse poema ambiciona atingir, então, como Eliot disse, “é a paz que passa o entendimento”; é de forma privada, por trás de portas fechadas; “Shantih”.

A nota final de The Waste Land, não é uma de medo ou ansiedade. Eliot nos deixa com a esperança de que, talvez, exista derradeira paz e harmonia para as coisas, mesmo que elas estejam além de nossa compreensão.

Afinal…

Lhes dou o que querem. Hieronimo está louco de novo,

E o que é para a realidade a mais profunda das verdades,

parecerá para o mundo moderno mera loucura

Datta. Dayadhvam. Damyata.

Shantih shantih shantih

E a paz é o que passa o entendimento.

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AFeltez

Escritor de terror e romance. Analiso poemas e escrevo sobre literatura, obras de arte, música e outros temas. Sou concept e horror artist.